Eu quero “meu mundo” de volta!
Bastou meu carro estragar e ter que deixá-lo na oficina para o devido conserto para que me sentisse como que se tivessem tirado o “meu mundo” de mim.
Percebi como as coisas funcionam diferentes. Tudo muda. Desde os compromissos até a forma como percebo o meio em que vivo.
Depois julguei necessário que isto acontecesse e fiquei conformado.
Ao sair do “meu mundo” sofri um ataque de realidade a respeito de quem verdadeiramente sou e significo, ainda que, o resultado de minha conclusão me dissesse quanto sou medíocre em relação as percepções da vida.
Sai da casa de minha mãe e tive que andar uns 800 metros até o ponto de ônibus. Andar é coisa que dificilmente faço quando estou no “meu mundo”.
Tive que esperar o ônibus por cerca de 20 minutos uma vez que quando estava chegando no ponto de ônibus saiu um e não deu tempo de pegá-lo. Minha vontade era de sair correndo atrás, mas do que adiantaria? O motorista nem me veria! E se me visse correndo mesmo assim não pararia! Eles (os motoristas) nunca param! A menos que seja uma gatinha! Hehehehe! Não é meu caso! Vocês sabem!
Quando chegou o ônibus eu vi um primo que estava descendo e só deu pra dar oi e entrar no ônibus. Se me desse ao luxo de conversar com ele perderia o ônibus novamente e complicaria o meu novo mundo indesejável.
Pensei! Puxa esse não é o meu mundo! No meu mundo eu faço acontecer do meu jeito. Chego e parto a hora que me convém!
Bem, antes, enquanto esperava o ônibus, olhando para aqueles terrenos invadidos por um matagal, uma igrejinha com meia dúzia de pessoas e o som de carros passando lá na BR , comecei a enxergar além disso o meu coração. Foi como se eu tivesse saído do que considerava o meu mundo para um novo mundo que na verdade nada mais era o mundo em que vivi por muito tempo.
E eu tive muitas lembranças. Lembranças de um tempo difícil embora de boas histórias e recordações. Lembranças de um tempo em que eu não tinha carro, não tinha dinheiro, não tinha salário, andava duro sem uma moeda sequer no bolso, dependendo dos outros, vivendo de favores e ainda pior, sem perspectivas de mudança.
Este era o meu mundo. Era. E tudo mudou tão de repente. Aconteceu uma revolução e as coisas mudaram da água pro vinho. E graças a Deus por isso! Porém, foi preciso que meu carro desconsertasse pra trazer a tona o meu “velho mundo”.
Que bom!
Revi meus antigos amigos, meus antigos propósitos e meus antigos sintomas e meus antigos dilemas.
Vi também que neste tempo de escassez foi o tempo em que em mais me doei para os outros, foi o tempo em que eu mais me preocupei com outras pessoas, foi o tempo que eu mais consegui dar para outras pessoas mesmo sem ter nada.
Então percebi que nos acostumamos com este nosso mundo que consideramos o ideal e facilmente nos esquecemos que um dia sofremos. Esquecemos que víamos o sofrimento dos outros. Esquecemos que era difícil e que sentíamos exatamente como os outros iguais a nós sentem. Estávamos no mesmo barco e vivíamos as mesmas condições precárias e nos interessava pelos problemas um dos outros.
E agora o que aconteceu comigo?
Minha tendência é que entrando nesse meu mundo que agora é meu, eu me acostume com ele. A gente acostuma fácil com a prosperidade. E aprende usufruir fácil dessa prosperidade. . Agora na escassez..hum.... nossa! é difícil se acostumar...aquilo nunca passa! Nunca tem fim!
Poxa vida! eu não quero precisar que me aconteça alguma coisa desse tipo, como estragar meu carro, para que eu lembre que eu não sou o único no mundo, para que eu pense que meu mundo é diferente dos demais onde o que importa agora sou eu.
Não quero e não posso esquecer!
Não quero e não posso esquecer que aqui do meu lado o mundo continua o mesmo, com sua aparência de tudo bem e de que a vida é assim mesmo, não tem jeito. Porque aqui do meu lado tem alguém que talvez eu nem conheça, mas que precisa urgentemente de mim.
Não quero e não posso me esquecer de que aqui do meu lado, do meu ladinho tem um doente, muito doente, e que precisa que eu ore por ele. E que precisa que eu o visite, e que precisa que eu passe um tempo ao lado dele. Que amenize o seu sofrimento com algum dos meus minutos que são escassos, mas que para estes são minutos intermináveis de dor e de sofrimento.
Não quero e não posso esquecer que aqui, bem aqui, diante dos meus olhos tem um adolescente, um jovem que deve ouvir uma palavra minha, ou deve receber um abraço meu e um carinho meu. Quem sabe ouvi-lo dizer que o mundo está contra ele e que ninguém o entende, e que ninguém percebe que tudo é novo pra ele e ele não está preparado para este mundo e ninguém o aceita como ele é.
Não quero e não posso esquecer que aqui tem um idoso, uma idosa, que quer mais que um lugar preferencial no ônibus ou na fila. Alguém que já viveu muito e tem muitas histórias, e tem muitos conselhos, e vê o meu mundo de uma perspectiva diferente, muito diferente da minha. Agora ele precisa de ouvidos que o ouça, que o escute e esteja mais disposto a sentir algo novo através um corpo marcado pelos anos.
Não quero e não posso esquecer que aqui tem uma criança que nada sabe sobre a vida, mas que seus olhos denunciam desejo de afeto, de amor, de carinho e seus lindos olhinhos parecem me dizer: Ei, me ensine algo, você tem alguma coisa pra me dizer, você tem um brincadeira nova pra mim, não passe batido, não me ignore, só porque sou tão pequeno ou porque estou na rua, ou mal vestido ou talvez me chamem de menino de rua. Não ligue pra isso. Eu sou apenas uma criança que aprende o que me ensinam.
Não quero e não posso me esquecer das muitas famílias que precisam de um conselho meu, de minha ajuda, de minha intercessão, de ouvir de mim que se casamento pra mim teve jeito, porque pra eles não poderia ter? e que a família é primeira instituição criada por Deus e que os que dela participam com grande renúncia e dificuldade conseguem resultados espirituais, físicos e materiais inimagináveis.
Não quero e não posso esquecer que em qualquer lugar aqui bem em frente aos meus olhos tem alguém com uma máscara sorrindo e dizendo que está tudo bem, mas que atrás desta mascara, dentro do seu coração, lá no fundo de sua alma existe uma amargura, uma sentimento de tristeza, uma agonia profunda, um desejo de não mais viver, e que precisa de alguém que escute o gemido silencioso de sua alma e se disponha a ajudar no que for preciso.
Pois é...enquanto pensava... e pensava...chegou a hora de descer do ônibus. Aperto a campainha e assim que ele pára desço.
Atravesso a rua, mais 100 metros e estou em casa em frente ao computador.
Agora sim! Este é meu mundo!
Uma inspiração, um desejo de escrever, mas, sobretudo o que me vale agora é não esquecer!
Não esquecer que sou mais um. E não somente mais um, também sou um.
Sou um daqueles assim como você o é, que tem condições de fazer a diferença em seu tempo em prol do próximo e que vive não em um mundo só feito pra si, mas de todos e para todos.
Todos com as mesmas emoções, com as mesmas diferenças, com as mesmas angústias, mesmos anseios e um fio de esperança; e que dependem de um e de outro para viver melhor.
Bem, alguém já me disse que isto é o evangelho!
Já disse, mas não custa repetir:
A verdadeira religião é cuidar dos órfãos e das viúvas em suas necessidades!
....
E eu quero “meu mundo” e minhas lembranças de volta!

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